o nome

procuro no escuro – a palavra nova
tateio espaços
risco rasgo
não posso vê-la
tento tintas outras - tons
texturas
na minha pele escrita
caneta tinteiro
mata borrão borracha
papel de arroz tão fino
requer cuidado

o chamado

menina, levanta!
ordenou-me a poesia
(me segurando pelas mãos)
                    levantei-me
e me pus a caminho

o nascimento

há verdades em mim
que precisam
ser ditas
porque não cabem mais
dentro do peito
dentro do cérebro
cinzento
dentro da alma
aprisionada
então
assim nasce o poema

a loucura

como uma velha louca
saio à rua
todos os dias
 catadora de papel
 em busca
do poema perdido

a sangria

a cada poema que leio
arranco um pedaço:- não do poema
mas do poeta
nas madrugadas
saio às ruas sangrando:- colagens
que não cicatrizam

a cratera

onde cabe o silêncio
cabe a palavra:- multiplicada
que silêncio é vazio
infinita cratera
que somente a palavra
aterra

a dor

o poeta sente dor
tão antiga:- dor de barriga
o poeta é mortal

et cetera e tal

a fissura

quero a palavra pouca e rasa
mas quero

palavra

o rito

saudade
da língua dos coptas
primitivos tempos
corre em mim
um Nilo Azul     
de palavras e ritos
trago no peito a marca

o garimpo

cava fundo no peito
tenta encontrar a palavra escondida
é preciso ir além da epiderme
dilacerar a carne
romper nervos e veias
ver transpassado / o bruto
coração

a mina

então finalmente
quando ele dói e sangra
o bruto  /
coração
foi encontrada a mina
onde habita a palavra bruta
joia rara  /
lâmina  

o enigma

decifra-me palavra
que eu já não te decifro
as minhas as outras
as não
proferidas
as que sangram feridas
que desconheço

o silêncio

e se eu dissesse apenas
do que sei
e sinto

calava

a afronta

criar
pressupõe
afrontar o nada
que antecede
a toda
criação
e se atirar
na direção
soprada
pelo improvável
acontecer

o limiar

dançam
em nossas mãos
palavras
desafiando
o frágil equilíbrio
do sentido
no limiar
entre silêncio
e som
entre música
e ruído

a inconclusão

vai longe o tempo dos poemas longos
versos conclusivos

começo

meio

fim

a busca

busco por epigramas
o peso em gramas:- de jardim
minimetrias assim

metrias sim
não metrias

o encontro

com o verso r a s g a d o
mutilad
          o
              torto
completamente
a
  b
     s
         o
      r
  t
o

o pó

poesia é o pó
do que foi brunido / soprado
do que foi sentido
esmerilhado
pelo vento forte da palavra

a flor

há os que arrancam os olhos
à unha
tentando ser modernos
(das palavras
arrancam as vísceras)
e o poema estrebucha
enquanto
o leitor corre em busca da flor
em algum jardim antigo

a vertigem

de delírio em delírio o poeta se equilibra
malabarista bêbado
na eterna vertigem:- entre vício
e espetáculo

o risco

de giz
o risco do poema:- e não
apaga dor

a doação

hei de doar tudo que tenho
ou seja — palavra
que seja pouca e rasa
que seja
hei de doar também a falta
ou seja — silêncio
que seja muito e fundo
que seja
assim seja

a posse

poesia é latifúndio
nas mãos de poderosos
eu — cultivo versos no quintal
de uma casa que não
é minha

o fio

no fino fio
que a lucidez separa da loucura
o poeta se equilibra

ventos fortes soprando

o canto

canto eu
cantamos nós:- cantam
vocês

sonoro verbo
o que nos faz poetas

a perda

era um poema e tanto (o melhor de todos)
foi para o ralo
e antes mesmo de chegar ao rio
evaporou:- que pena
não vai saber do abismo
nem do sal

a pretensão

solidão já não dói
vira poesia
ser poeta é ir além
do que se pode
suportar

o pecado

todo poeta padece
do mesmo mal — pecado?
da vaidade dos poetas

livrai-nos Senhor

o edifíco

urbano pós-moderno o poeta devora
cimento e aço / pedra e areia
além de outros pós
finíssimos (aglutinantes)
bebe petróleo e outros líquidos
altamente inflamáveis
então
cospe delírios
estradas que não chegam e edifícios
em chamas (sua casa)
enquanto
a flor insiste e brota / desafiando
insensatez
e cinzas

o vento

faz vento
onde mora meu Deus — palavra
que me vem feito brisa
ou tempestade
quando meu coração (humano)
fraqueja
e sente dor

a celebração

a poesia é:- celebração
nem sempre à vida

celebra-se
o que se tem nas mãos

a mordaça

o poeta se cala diante da morte
diante da dor:- se cala
o não esperado parece ter
mordaças:- nenhuma delas
aprisiona o verso

o ofício

tecer palavras
em tempos de silêncio:- arte
ofício

o sopro

pífaros soam
enquanto o vento roça
as rotas
cortinas de crochê
de algodão cru
que a vida é sopro
: neste momento exato
do poema

a explicação

escrevo porque sim
escrevo — por que não?
nem sei o que seria
se não fosse assim
— então

o acaso

faço poemas inconseqüentes
já não me importo com isso
tudo que espero do poema
é que ele se liberte
que ele me liberte
que ele liberte alguém ao acaso
acaso ainda exista alguém
aprisionado
neste tempo absurdo
de liberdade extrema e solidão
absoluta

o espelho

todos os dias leio Rodrigo
(duas vezes por dia)
os seus cachorros
são azuis
as minhas garças, rosas
sem nenhuma obsessão

o ciclo

cio da palavra
gestação
nascimento
e vida
que depois
de parida
é para sempre
(ou não)

o abismo

cantares atlânticos
palavras
areias que arranham
palavras
navios e cascos
palavras
vela vento sol
palavra
palavra
palavra
: abismo e plenitude
sal

o sopro

a voz
a voz que soprava poemas
agora se cala
a voz
foi soprar noutros cantos
cantos outros
sopros

a teia

palavras que tecem
teias
de aranha
que uivam
que cantam
que arranham
em arrastados erres
e engolidos esses

a chama

templo
som de uma estrela
crepitar de fogueira
onde te queimo ainda
palavra:-
chama por mim

o sotaque

palavra
que sotaque te traduz?
vozes da minha terra
ruído canção
lugar
em que a palavra era

a substância

pedaços de silêncio
dispersas
palavras
mistura marginal
in_solução
imiscíveis
precipitam:-
substâncias puras

o nada

carece de alma
meu pobre verso
de corpo
meu verso carece
de tudo
que em mim
é falta
ou excede
: carece de nadas

o labirinto

porque me perco
no labirinto estreito
dos silêncios
e só me acho
na trilha empoeirada
das palavras
antigas
se é do silêncio
que preciso

a intradução

alguns poemas traduzidos
outros deglutidos
na sua própria língua
notícias de jornal
instantes vividos
fragmentos
colagens
sentidos
matéria-prima
com que o poeta tece
a sua trama (mosaico)
na velha vã esperança
de um dia : a si mesmo se
traduzir

o ato

poema:
mais do que rito
é ato - de coragem
e profissão
de fé

a dualidade

singelos ou loucos vamos
fazendo poesia
pois que somos todos uns
ou outros
ambos talvez
nenhuns

o signo

linguagem é signo
que já não compreendo por inteiro
códigos:- que já não decifro
símbolos de uma era
meu tempo já era

a esfinge

no deserto hodierno
linguagem é esfinge
(autofágica)
que a si mesma se decifra
e se devora

o tédio

do meu poema tolo
tosco
torto
tenho pena
tédio
é tudo tão
torpe
(não me traduzam)

o deserto

palavras
procuro por elas
só no deserto as encontro
temo
emudecer para sempre
tanto mar
(mergulho)

o vazio

queria outro tom na minha poesia
mas ela tem as cores daquilo que sou
ou seja:- nada
no fundo branco letras
que não dizem
no ritmo exagerado do vazio que ecoa
onde o último grito é ressonância
repercussão de um som agudo
atávico
bem muito mais antigo
do que eu

a conversa

faço versos porque não tenho
com quem conversar
falo com o verso e o verso
me responde
quando ele fala eu ouço
e o traduzo
no fundo, é tudo conversa fiada
com verso sem verso
a vida é barra e ponto
(ou dois pontos):- e está pronto
o poema que não fiz

o pressentimento

estranho
hoje palavra alguma
faz sentido
talvez pressintam
olhos nenhum
a procurar por elas

o tempo

às vezes penso que tudo já foi dito
me calo
sempre tão breve meu silêncio
o tempo exato de um espanto
ou de um espasmo
o tempo de qualquer existir
ou extinguir
o tempo aflito do estalo da língua
no céu da boca
o tempo do sentir
[... o tempo

a catarse

lembra, quando tudo era começo
e o fim, palavra não dita
hoje, começo é lugar distante
e o fim, palavra escrita
tatuagem catártica
na pele do instante

a mudez

perdi a voz
nenhum som
gemido canto
sopro
p a l a v r a
estou muda
talvez
não tenha mesmo
mais nada
a dizer

a fogueira

de onde o quebranto que transforma
o sentir em palavras
e a alquimia antiga que transmuta
a palavra em outro sentir
olhos ou coração
decodificam o verso e o traduzem?
pedra filosofal é o verbo
ao mesmo tempo criador e criatura
a fonte a sede a água e a boca seca
mais do que susto o poema é loucura
nos meus olhos vermelhos reflexos
ardem fogueiras
e a grande obra ainda por se fazer

o bastante

não quero mais falar do verso
não quero
mas vou falar do quê?
se o verso é tudo que me resta
hoje
é tudo que me basta
é tudo
embora seja nada – ou quase
nada

a luta

a luta pelo pão
massacrou a poesia
é tudo tão raso
tão pouco
tudo tão
desumano
verso nenhum resiste
a universo tão
limitado

o sol

outra vez
me ronda a poesia
agora é assim
quase uma sombra
colada em mim
não
ela é o sol
eu
a sombra

a tristeza

o poeta está triste
pesam-lhe sobre os ombros
as dores do seu povo
e a insensatez do seu tempo
na sua humanidade, o poeta
— que não crê
transcende e toca o céu

a tisana

hoje o poema
é uma tisana quente
de folhas verdes
doces
perfumadas
sorvida
em dia frio
de inverno
(em porcelana rara)
na varanda florida
de uma casa
no campo

o manifesto

cantos ou gritos
de almas milenares
manifesto do verbo:- o do princípio
que multiplica e se renova
em vozes tantas
quantas
suporta o universo
(ouvidos de silêncio
olhos de estrela)
a ler-nos, versos que somos
tomos (sagrados)
do grande livro:- o da palavra viva

a ave

perdida faço versos
palavras me orientam no caminho me sinto
chego ao ponto final
sem rumo
trilha que me leva
margem de rio estrada de terra:- serra
mata fechada ciclo
via
som de cachoeira
moto perpétuo tenho sede sou ave me atiro
sigo os sinais o vento o sol
o vento
telúricas correntes
migro mas sempre volto ao ponto de partida
eu perdida:- estrada estrada
estrada

a tradução

bem agora
que eu tinha tanto a dizer
me falta a voz
(tenho pétalas na garganta)
macias
seriam as palavras
vermelhas
seda / perfume
abre a janela e olha
meus canteiros
ou o velho vaso de flor
sobre a mesa da sala
e tenta
me traduzir

a metamorfose

átomos
átimos atos tomos
alfa beta
gamo
a suspirar
por águas
pirata do mar
das palavras
vulcão em lavas
versos
lavras que brilham
larvas
que criam asas
e voam

a aridez

tem chovido tanto
mas não chove em mim
árida
já nem versos brotam
processo irreversível
desertificação
dunas que se movem
sem direção

a invenção

falo do que não sinto
minto:- invento
memórias
conto histórias
que não
vivi
consola-me Pessoa
todo poeta
é mesmo
fingidor
e eu finjo
dor e alegria
finjo vida:- e poesia

o verbo

não, não me falta o verbo
falta-me a vontade
de conjugá-lo

o raso

rasa, hoje não cabe em mim
palavra:- quem dera
um verso

a fatalidade

poetiza-me palavra
sentimenta-me
volátil:- transfigura-me

sonoriza-me palavra
metrifica-me
rítmica:- encadeia-me

expressa-me palavra
verbaliza-me
criativa:- extrapola-me

contexta-me palavra
versa-me
fática:- transcende-me

o zumbi

soprei
versos sem alma
que andam
por aí
feito zumbis
até
que o corpo
se desfaça
ou a vida retorne

o querer

queria fazer
um poema feliz
fazer um poema feliz
um poema feliz
um poema
não fiz

a agonia

há dias (muitos)
em que a minha
poesia
tem a força
de um grilo
e a fúria
de uma gota
grilo
que já não pode
cantar
gota
prestes
a despencar
a minha poesia
agoniza

a cura

poeta de verdade
não canta
a penas
suas próprias
dores
canta as dores
do mundo
e segue
acreditando
na impossível cura

o escuro

a dor
pra amenizar
fazer um verso
tento
não posso
em dor assim
poesia
não cabe
o escuro cabe
e o silêncio

a serventia

servem para quê
e para onde seguem
tantas palavras???

a fogueira

descobri
que meus velhos
poemas
não dizem mais
de mim

pois
quem
os
escreveu

não
existe

vou queimar
tudo
depois jogar
do alto
da montanha

junto
com
as
cinzas
do
que
fui

a plenitude

poema dia? é pouco
agora, quer um poema
por hora
absoluto - quer um
por minuto
o poema é seu mundo
o quer  
por segundo
não é bastante
quer o poema
instante
o instante é pequeno
quer o poema
pleno

a precariedade

o poeta mergulha
no inferno do seu mundo real
e silencia
quando voltar
ao paraíso inventado
(em cápsulas)
o poema retorna
com suas verdades
sempre tão relativas
precárias
a durar o tempo do espanto
dos olhos

o cristal

o poeta não morre
transborda
além da conta
da gota
além da taça
da boca
e o que era
fluido
torna-se
o cristal
que o continha
e vibra
ao sopro
da primeira brisa
e brilha
ao toque
do primeiro sol
[... e vai

o frio

faz frio
tanto
que a palavra
treme
nem verso
ou prosa
nada
que a aqueça
palavras frias
morram
sufocadas
no peito
meu canto
espera

o corte

riscos no poema? muitos
há quer ter mais
que sulcos
no papel em branco
traços, vestígios
:- minha cara

delimito fronteiras, cruzo
inverto, transformo
risco em certezas
que não possuo
:- invento

risco que corro — risco
que corre
fio de navalha
corte que sangra
palavra negra
:- tinta e pena

e o verso
em risco permanente

a bruma

ninguém sabe de nós
pensei
que a poesia
nos revelasse
mas não — é bruma
(cortina etérea
que obscurece)
nossas verdades:-
pedras
incrustadas
do lado de dentro

a cinza

arde no poeta
a chama
do querer
ser imortal
porém
a brasa viva
da palavra
inflama
e queima
a folha branca
de papel
que em breve
será cinza.

a bula

vide:
a vida vale o verso.
visse?
e versa

o lugar

onde mora a palavra
não dita
e não escrita:- nenhuma luz
lugar
de onde não
se retorna
super massiva estrela
que agoniza:- não silenciar
pois que canto
jamais

o limbo

as palavras estão gastas
puídas, rotas
e contra
a decrepitude
das palavras
não há remédio
nem cura
haverão de morrer
irão para o limbo
onde as palavras mortas
esperam
que o ciclo se complete
e chegue a hora
de renascer
[... feito palavras novas

o alvo

porque ninguém
escolhe
ser poeta
também não escolhi
a poesia
nos encontra
mira no alvo
e num tiro
certeiro
nos atinge no peito

o arrepio

poema:- risco em estilete
lâmina de aço
sobre pele de zinco
já não há sangue
apenas lascas:- faíscas
cicatrizes
e o inevitável:- arrepio

a lição

o salmo
o sal
a mó
a mão
que move

que tudo
canta
e conta
no poema
*que sinta
quem

o ciclo

estão mortos os poemas
choro
por cada um deles
natimortos renascem
a cada olhar
atento
num ciclo interminável
de renascimento e morte

a estrada

leva-me palavra
onde
meus olhos e pés
não
me levaram
por não saber ou
não poder
querer
quem sabe não
sonhar
ou
por não haver estrada

o varal

todo poeta tem
alma de lavadeira
lava a palavra e estende
sobre o varal
dos versos
mas só depois
de ter quarado tudo
sobre a pedra da vida
e exposto ao sol
do tempo

o zumbi

esquecido de si, seu corpo o suporta
zumbi às avessas
é pura alma — e o poema não se faz
pois que não se sustenta

a fera

a solidão é fera
já não domesticável
resta contê-la
        eu, com meus versos
a cerco